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Guilherme Veroneze e Thiago Manzoni

Reflexões sobre as 6 lições de Mises: Política e Ideias (lição 6)

No chamado Século das Luzes, em que os EUA conquistaram sua independência e, alguns anos mais tarde, quando várias colônias espanholas e portuguesas também se transformaram em nações soberanas e independentes, reinava na civilização ocidental um clima de otimismo com o futuro. Intelectuais e estadistas estavam convencidos de que se deparavam com um alvorecer de prosperidade e liberdade, sob a égide de regimes constitucionais e instituições democráticas. Hoje sabemos que algum avanço de fato ocorreu. Contudo, as esperanças tão otimistas se provaram parcialmente equivocadas. Os sistemas constitucionais erigidos no final do século XVIII e XIX frustraram a sociedade. Há, no meio das ideias, uma noção equivocada de que Política, Direito e Economia são realidades ou campos estanques, que não se intercomunicam. Aí reside, porém, parte do problema do porquê esses sistemas terem produzido resultados medianos ou subótimos.

No campo das ideias e do que o sistema representava, os discursos políticos travados nos parlamentos não eram vistos como uma anunciação de aspirações ou ambições do partido político, mas como tentativas corretas e bem-intencionadas de persuadir os seus parceiros políticos de que suas ideias eram as mais corretas e bem fundamentadas, mais propícias ao bem comum. Discursos, editoriais, folhetos e livros eram redigidos nesse intuito de persuadir e tinham um pressuposto de que o Estado não iria interferir nas condições econômicas, mas sim iria buscar esse bem comum de todo o país. No entanto, o intervencionismo veio suplantar essa concepção, gerando uma filosofia diametralmente diversa, na qual é função do governo apoiar, subsidiar, conceder privilégios a certos grupos especiais. Desse modo, os partidos políticos autênticos acabaram na prática se transmutando basicamente em representantes de grupos de pressão que buscam obter privilégios econômicos às custas do restante da nação.


Tem-se assim, no Legislativo, representantes de diversos grupos, do trigo, da carne, do petróleo, dos sindicatos, dos banqueiros, das empreiteiras, dos advogados, dos funcionários públicos... Só uma coisa não está representada de forma equilibrada: a nação como um todo. E mesmo problemas transversais, de grande envergadura, como política exterior, são sempre encarados sob a ótica dos possíveis ganhos para cada grupo de pressão. Hoje, por exemplo, a minoria da população se dedica à agricultura, contudo, ainda é comum que existam, mundo afora, políticas bilionárias de garantia de preços mínimos, mantendo-os inflados frente ao que seriam, pelo livre mercado, competindo internacionalmente, impondo um privilégio a uma minoria (de produtores) às custas do restante da nação.

Um exemplo histórico elencado por Mises, dessa deletéria política, nos EUA, é o caso do açúcar. Talvez apenas 1 dentre 500 americanos esteja interessado em pagar preços mais altos para o açúcar. Os demais 499 certamente querem preços mais baixos. Contudo, mediante políticas públicas, aprovadas no parlamento, com uso de tarifas de importação e outras medidas, o que se observa é uma elevação do preço final no mercado, em detrimento dos demais 499 cidadãos. Mais: essa política também gera malefícios não apenas internos, mas também externos, na medida em que as outras nações que poderiam exportar açúcar para os EUA passam a não fazê-lo na mesma proporção ou em absoluto, dado que seu açúcar encontra barreiras de competitividade impostas por lei para benefício da minoria: os produtores americanos. Assim, se no século XIX havia grandes debates nos parlamentos sobre temas como tirania, liberdade e cooperação entre nações, hoje o que mais se ouve são discussões pragmáticas e com certa pequenez, como a majoração do preço do açúcar, do leite ou do amendoim, o que mostra que nem toda mudança é necessariamente para melhor.

É interessante notar, ainda, que tal sistema é bastante propício ao aumento do gasto público, com os subsídios a grupos privilegiados, mas tende também a desencadear em dificuldades para que se aumente impostos, quando necessário, pois os representantes não querem onerar suas bases eleitorais (apenas querem conceder privilégios), o que gera desequilíbrios financeiros e torna os episódios de deterioração fiscal, de tempos em tempos, mais comuns e cada vez mais agudos. Dado esse perverso sistema, quando um governante mais inclinado a tais políticas intervencionistas assume o poder, os efeitos são vistos ainda mais rapidamente e de forma mais danosa. Qualquer semelhança com as crises fiscais nos países europeus nos últimos 20 anos ou também no Brasil, com o governo Dilma, não é mera coincidência.


A concepção do parlamento era a de que cada membro representaria a nação, como um todo, e era eleito por um distrito ou circunscrição eleitoral porque era um modo de descentralizar a atividade eleitoral e até permitir mais competitividade para pessoas de menor projeção e conhecimento público, o que aumentaria a diversidade e ampliaria o caráter democrático da instituição. Contudo, o que se viu foi a formação de grupos de representantes que buscam tornar o parlamento num grande balcão de negócios, beneficiando minorias econômicas às custas do bolso da maioria da nação.

Há autores, como o alemão Oswald Spengler e o inglês Arnold J. Toynbee, que tratam do declínio e até possível fim da civilização ocidental. Tirando os exageros estilísticos, a deterioração de uma civilização é possível e já foi observada por diversas vezes na História, como no caso do Império Romano, que teve problemas de ampliação do intervencionismo (com controle de preços), consequente inflação, crises de desabastecimento e desestruturação da divisão de trabalho, vindo a sucumbir diante de agressões externas, dada sua fragilidade econômica interna que fora basicamente autoinfligida. No mesmo sentido, aponta Daron Acemoglu, em seu clássico livro Por que as Nações Fracassam, analisando inúmeros outros casos históricos. Muitos paralelos existem com a situação atual, em que muitas ideias intervencionistas-desenvolvimentistas e socialistas voltaram a circular no mundo, sobretudo por conta da aceleração das comunicações e maior capilaridade, ampliando o alcance da desinformação econômica sobre a grande massa do eleitorado, nas mais variadas nações. Mais: quando se verifica que até mesmo professores e livros estão prescrevendo tais ideias patentemente equivocadas, percebe-se que é um grave problema a se discutir, sobre o qual devemos nos debruçar de forma tenaz, permanente.

Ortega Y Gasset descreveu em sua obra a Rebelião das Massas, o fenômeno do homem-massa, que é desprovido de um senso de individualidade e de raciocínio próprio, que tem um comportamento de adesismo ou de pensamento coletivo, preguiçoso, não-analítico, automático, e os perigos que isso representa na sociedade moderna. Mises ressalta que é importante entender que as massas não se rebelam ou se insatisfazem por si próprias apenas, essa rebelião não foi feita por elas, mas sim plantadas mentalmente por intelectuais que, não sendo homens do povo e não conhecendo minimamente suas agrugras, formulam ideias estapafúrdias e sem amparo na realidade. Como exemplo clássico temos as desastrosas e utópicas ideias socialistas propostas por Marx, que nunca foi um homem do povo, mas sim filho de um advogado e depois sustentado financeiramente, vida afora, por um rico industrial (Engels). Aliás, é necessário dizer, que nenhuma rebelião socialista jamais se instalou, materialmente, pela ação de operários proletários, mas sim sempre por homens com poder econômico e ascendência política e militar, que usavam o nome dos proletários, do povo supostamente oprimido, apenas em benefício próprio.

No mundo de hoje, felizmente, o embate de ideias é mais livre e encontra nas redes sociais uma rapidez e uma capilaridade como jamais vistas na história da humanidade e Mises, certamente, estaria feliz em poder presenciar tal fenômeno. Como ele próprio ressaltava, tudo o que se desenrola em nossa sociedade é fruto das ideias e, assim, é imperioso combater as más, substitui-las por pelas mais corretas, pelas ideias verdadeiras, com amparo no mundo dos fatos, refutando todas as doutrinas que promovem intervencionismo e violência sindical. É nosso dever, segundo ele, em uma de suas passagens mais sucintas e perspicazes, "lutar contra o confisco da propriedade, o controle de preços, a inflação e contra tantos outros males que nos assolam. Ideias, e somente ideias, podem iluminar a escuridão".

As ideias corretas, lastreadas na realidade, devem ser levadas às pessoas de modo que elas se convençam do que é o certo e o que é o errado, sem serem massas de manobra, combatendo o homem-massa. O advento do capitalismo, no século XIX, contou com as ideias de economistas como Adam Smith, David Ricardo, Bastiat, dentre outros, que abriram clarões no campo das ideias que sobrevivem até hoje. Nossa civilização, portanto, sobreviverá respaldada nas melhores ideias que governam a maior parte do mundo, que serão aperfeiçoadas e engendradas pelas novas gerações.

Esse, portanto, é nosso compromisso, nosso dever mais primordial, e certamente sou e continuarei a ser mais um soldado com botas firmemente fincadas nas trincheiras da liberdade. Sinceramente, espero que eu possa inspirar e trazer comigo cada vez mais combatentes para que o embate de ideias possa se avolumar, enriquecer-se e, assim, para que nós, como sociedade, possamos prosperar e diminuir as mazelas econômicas e sociais que tanto nos assolam e que têm uma só raiz, as ideias intervencionistas, desenvolvimentistas e socialistas, para as quais há um único antídoto eficaz, testado e aprovado empiricamente em diversas nações mundo afora: a Liberdade Econômica.


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