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Guilherme Veroneze e Thiago Manzoni

Reflexões sobre as 6 lições de Mises: O intervencionismo (lição 3)

Num sistema de livre mercado, o principal papel do Estado é garantir o funcionamento harmônico da economia contra a fraude ou a violência originada dentro ou fora do país. Cabe ao governante garantir que os atores operem de forma honesta e livre no mercado, pois a confiança é elemento fundamental para o bom funcionamento de uma sociedade - a confiança é o que lastreia as trocas. O Estado, então, tem um papel não tão ativo na economia, mas sim de observador e de aplicador da lei para que haja o que se pode chamar de “fair-play”.


Contudo, o que se vê hoje, comumente, é a existência de um modelo de Economia Mista, em que o Estado é proprietário e gestor de empresas. Até certo ponto, alguns defendem que quando o Estado atua em mercados em que ele não é monopolista ou grande a ponto de ditar os preços de mercado, não há uma distorção ou prejuízo tão grande para a Economia. Contudo, o Estado tem uma capacidade que nenhum outro atuante tem: pode financiar os déficits dessas empresas estatais sem grandes dificuldades, tornando-as basicamente impossíveis de falir. Sendo assim, atender aos anseios dos consumidores com diligência e eficiência pode acabar não sendo uma prioridade na imensa maioria das vezes. Esse perverso incentivo gera comportamentos prejudiciais na medida em que os dirigentes tenderão a ser menos zelosos na gestão, isso quando não forem indicados mais por critérios políticos do que técnicos para empreenderem projetos de subtração de recursos para os atores do sistema político, ou seja, a velha e conhecida corrupção. Não é difícil de entender o porquê a mera existência de estatais é, na maioria das vezes, danosa econômica e socialmente falando.



Outro tipo de ação estatal, que não chega a ser realizada diretamente por meio de empresas governamentais, também pode ser altamente danosa ao funcionamento de uma economia, trazendo resultados altamente deletérios para a sociedade. Essa ação é o intervencionismo nos fenômenos de mercado, interferindo em delimitação de preços, em padrões salariais, taxas de lucro e de juros e regulações abusivas. Ações governamentais que interfiram nas decisões dos empreendedores, de modo que esses tomem decisões diversas das que tomariam caso tivessem de obedecer apenas aos consumidores, tendem a produzir resultados apenas regulares, quando não medíocres.

Governos intervencionistas tendem a praticar controles de preços, por exemplo, como forma de tentar compensar problemas inflacionários que eles próprios criaram, por meio da emissão desenfreada de moeda, que fora feita inicialmente para financiar gastos vorazes do perdulário aparelho estatal. Tenta-se atacar um sintoma (a alta de preços) com discursos evocando a ganância dos empresários para mascarar a real causa do problema inflacionário que é o Estado gastar em demasia. Transfere-se a culpa para outrem porque é mais conveniente ter um bode expiatório do que assumir suas responsabilidades político-econômicas. Qualquer semelhança com a era Sarney, dentre outras eras passadas de hiperinflação no Brasil e em diversos países no mundo - inclusive nossas vizinhas Venezuela e Argentina - não é mera coincidência.



É preciso dizer também, de forma simples e direta, que o controle de preços sempre produz o contrário do que o governante busca alcançar. Ao tentar tabelar ou limitar o preço de algo por decreto, supostamente em benefício do consumidor, há um desincentivo para que os produtores daquele bem continuem produzindo-o. Quando o governo delimita que um carro popular não pode custar mais que X mil reais, os produtores não ficarão inertes. Ou reduzirão bastante a produção desses carros ou, no limite, até mesmo a cessarão, pois não terão mais o retorno adequado dos seus recursos investidos. Alternativamente, poderão também piorar cada vez mais a qualidade do produto, usando peças mais baratas, simplificando o produto, para tentar manter a margem de lucro pré-existente à intervenção do governo. Quem sai perdendo? A sociedade consumidora, como sempre.

Alternativamente, se o governo busca, por exemplo, delimitar preços mínimos para produtores rurais de leite devido a uma grande produção que acabou por aumentar a oferta em demasia frente à demanda, conferindo um benefício para esse grupo econômico de pecuaristas, o que ocorrerá é que ou o leite não será comprado em sua totalidade pela população consumidora, por estar mais caro do que naturalmente estaria (pré-intervenção estatal), ou então, se estabelecida uma política de subsídios para os produtores, serão vertidos recursos dos bolsos da sociedade para garantir esse imerecido privilégio econômico aos pecuaristas. A sociedade, de todo modo, será onerada e será prejudicada em nome de um lobby organizado de produtores. Controle de preços, portanto, sempre traz mais malefícios do que benefícios. Não é por decreto que se resolvem desequilíbrios de preço, para menos ou para mais, mas sim dando tempo ao mercado para que ele reequilibre naturalmente oferta e demanda. Ademais, ampliar a competição, abrindo o mercado para competidores externos, por exemplo, é uma das maneiras para que se possa garantir que os preços serão cada vez menores ao público consumidor.


Exemplos históricos do fracasso de se tentar controle de preços são abundantes na história econômica há milênios, em todos os continentes e em todas as épocas. Essas táticas são, até hoje, colocadas em prática apenas por um motivo: ilusionismo político sobre a real responsabilidade por problemas de desequilíbrios de preços que são criados, na imensa maioria das vezes, não por fatores de mercado, mas por intervenções dos governantes, seja na forma de subsídios econômicos a setores, tarifas de importação para proteger empresários ineficientes (mas com acesso ao poder político) ou o controle direto de preços (tabelamento). E mesmo quando ocorrem desequilíbrios por fatores de mercado, como choques na cadeia produção, a intervenção do governo para segurar os preços sempre causa a escassez do bem de preço controlado.


Na era recente, no último século, até mesmo países que hoje são mais liberais, como a Inglaterra, sob governos trabalhistas na década de 50, e a Alemanha - na era Hitler - tiveram programas econômicos altamente intervencionistas na economia, provocando alta inflação e baixo crescimento, o que causou o previsível e sabido empobrecimento relativo da população frente aos demais países que seguiram, à época, um modelo de economia mais liberal. Nessa esteira, outro clássico exemplo de controle econômico com fins sociais que sempre deu errado é o famoso controle de aluguéis. Foi praticado na Alemanha, na Espanha, na Inglaterra, no Brasil e até em algumas cidades nos EUA, dentre outros países, com o objetivo de facilitar o acesso à moradia para a população mais carente. Ao impor limites de preços, reduziu-se o ímpeto dos proprietários em manter os imóveis em bom estado de conservação, causando uma deterioração física deles, bem como reduziu-se o ímpeto deles em adquirirem novos imóveis para disponibilizar para locação, já que o retorno sobre o montante investido no imóvel estava sendo limitado pelo governo abaixo do patamar natural do mercado. Como resultado esperado, agravou-se também o déficit habitacional com o tempo. Mesmo quando essa política foi abandonada, em vista dos evidentes problemas que geraram, os adquirentes de imóveis ficaram reticentes por algum tempo para comprarem novas unidades para colocarem para locar, já que esse fantasma da recente política de intervenção ainda pairava fresco em suas memórias, tornando a dissipação desses efeitos e a recuperação do mercado imobiliário mais lenta, comprovando empiricamente que o intervencionismo produz sempre um resultado pior do que o anterior. Recentemente, em 2020, a cidade de Berlim instituiu novamente política de controle de aluguéis e os mesmos efeitos estão sendo observados: escassez de imóveis, deterioração e baixo incentivo a novas edificações. Políticos de esquerda parecem insistir nos mesmos erros, décadas após décadas, certos de que seu eleitorado, claramente desinformado, não compreenderá como suas políticas são absolutamente erradas.



Outra nefasta intervenção do Estado na economia é pelo estabelecimento de pesadas tarifas de importação ou até mesmo sua proibição. Ao encarecer em demasia (ou impossibilitar) as importações, o Estado protege os produtores nacionais que ficam sem incentivos de competição, de concorrência, para inovar, para reduzir preços e para melhor servir aos consumidores, nadando confortavelmente em um mercado protegido e cativo. É apenas a competição que pode produzir melhores resultados. Proteção gera sempre estagnação tecnológica, altos preços ao consumidor e a formação de cartéis ou de oligopólios nacionais, a depender do grau de concentração existente no setor. Qualquer semelhança com os altos preços que pagamos em nossos carros, artigos eletrônicos dentre outros bens fabricados no país, não é mera coincidência. Pior ainda era na década de 1980, quando a importação de computadores era completamente proibida pela lei de informática, fazendo com que tivéssemos de usar computadores absurdamente caros e arcaicos mesmo para o padrão da época.



Não obstante diversos exemplos históricos reiterados de como a intervenção do Estado na atividade econômica só tende a gerar mais malefícios do que benefícios, ainda impera nos tempos atuais um pensamento de que, diante de alguma adversidade, “o governo precisa fazer algo a respeito disso”. Isso parece um resquício cultural de eras em que o Estado era de fato visto como um ente onipotente, quase que absoluto, que tinha poderes quase sagrados, como uma representação de Deus na Terra. Nos tempos modernos, parece que se substituiu esse aspecto de divindade do Estado apenas em outra roupagem: a democracia representativa exercida via sufrágio universal. Contudo, o que se deve compreender é que não importa a roupagem, não importa como o Estado venha a ser operado (república presidencialista, monarquia parlamentarista, semi-presidencialismo etc)... O que deve ser compreendido é que o Estado ainda hoje continua impotente para coordenar e dirigir a Economia e que muito mais mal se fez tentando, por meio de intervencionismo, contornar problemas econômicos do que se fez por inoperância, por deixar os agentes econômicos poderem livremente pactuar, contratar, comprar e vender.


Por fim, a economia é um organismo vivo que dia após dia funciona com a interação de milhões de agentes individualmente em cada transação voluntária e espontânea, e não é um conjunto de dirigentes burocratas que saberão, à distância, em suas escrivaninhas sob o conforto de um ar-condicionado, isolados das múltiplas realidades existentes em nosso país, o que é melhor para harmonizar o interesse desses milhões de cidadãos. A liberdade dos cidadãos para pactuar, aceitar, rejeitar, negociar e escolher por própria vontade, calçando seus próprios sapatos e conhecendo sua própria realidade e suas próprias restrições, sempre produzirá melhores resultados do que os burocratas jamais conseguiram ou conseguirão entregar.

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