No início do século XVI, quando as reservas de ouro e prata da América foram descobertas e logo exploradas, quantidades expressivas desses metais, usados então como moeda, chegaram à Europa e o resultado disso foi a escalada de preços, ou seja, inflação. O mesmo fenômeno ocorre nos dias atuais, em que os governos por vezes se descontrolam e inundam o mercado com emissão desenfreada de papel moeda para financiar seus próprios gastos. Foi o que se viu nas épocas das duas grandes guerras mundiais, bem como na recente pandemia. Nada de novo há, portanto, nesse fenômeno da causa da inflação que é historicamente registrado e documentado há séculos e até milênios. Contudo, em vez de se voltar os olhos para essa real causa inflacionária - o aumento de moeda emitida em circulação - ainda há sempre a tendência equivocada de creditar a causa central da inflação à decisão dos agentes econômicos (empresários notadamente) de remarcarem preços, funcionando como bodes expiatórios convenientes aos políticos, quando na realidade esta decisão de majorar preços é apenas sintoma ou reflexo automática da causa antecedente, da raiz do problema: aumento da quantidade de moeda circulante para se financiar dispêndios estatais.
Imaginemos que um governo precisa construir uma grande rede de hospitais ou um hidrelétrica e que, para tal, para obter os recursos financeiros necessários, ele decide imprimir mais dinheiro em vez de aumentar tributos. Ora, com mais dinheiro circulando na economia do que no momento anterior, não é difícil formar uma previsão acertada de que os preços irão subir. Alternativamente, se o governo decidisse que iria aumentar tributos, tomando mais recursos dos cidadãos para financiar esse dispêndio, não haveria aumento de moeda em circulação, pois os cidadãos são automaticamente forçados a reduzir seus gastos, dado o aumento do tributo que sofrem direta e imediatamente no bolso. É simplesmente dinheiro que sai de um bolso (do cidadão) e é gasto por outro bolso (do governo), mas no cômputo geral da economia não houve adição monetária, não se aumentou o bolo total de dinheiro em circulação.
O problema da inflação, assim, advém da decisão do governo de se valer de uma conveniência política, de se usar uma narrativa que escamoteia o problema e disfarça a sua própria digital da cena do crime. "Se aumentar impostos é algo impopular, que se financie o desejado aumento de dispêndios do governo via emissão de moeda", pensam os "espertos" governantes. Por um lado, essa decisão permite (temporariamente) menor insatisfação do povo com o governo, pois não há aumento de tributação e o governo pode se valer de narrativas fazendo com que sua culpa desapareça e seja despejada retoricamente nos vilões de sempre: os empresários “gananciosos” que aumentam preços e querem nos asfixiar economicamente em nome de sua (suposta) ganância. Ademais, dada a complexidade e a pouca transparência inerente ao próprio processo de emissão de moeda, a tentação para o governante de plantão emitir mais moeda acaba sendo sempre grande.
Contudo, o que se verifica também, ao longo de vários exemplos históricos, é que esse subterfúgio governamental de se financiar via emissão de moeda não pode ser realizado de forma aguda e por tanto tempo, pois a retroalimentação desse mecanismo causa uma espiral que leva o sistema monetário ao colapso. Quando a escalada de preços não é detida e a percepção dos cidadãos fica cada vez mais clara e inequívoca no sentido de que, se não se gastar hoje todo o dinheiro que se tem amanhã ele valerá substancialmente menos, há um incentivo perverso de se antecipar temporalmente o consumo, jogando mais combustível na fogueira inflacionária, chegando a um ponto de estrangulamento e real colapso da moeda, tal como se observou em vários países no último século.
Na Alemanha pós-primeira guerra mundial, os trabalhadores recebiam seus salários diariamente e, em alguns casos, até duas vezes ao dia. Suas mulheres os acompanhavam até as fábricas e, assim que eles recebiam as cédulas de marcos alemães, repassavam-lhes a quantia para que elas fossem imediatamente às compras, pois do início ao fim do dia o poder de compra da moeda caía pela metade. No Brasil, na década de 1980, não era raro haver remarcações de preços por mais de uma vez ao dia nos supermercados e outros estabelecimentos comerciais, tamanha a espiral inflacionária e o derretimento de valor da moeda que a emissão monetária desenfreada causava imediatamente na economia. Por tal razão, no Brasil não foi muito diferente. Assim que os trabalhadores recebiam seus pagamentos no início do mês, era praxe que houvesse uma corrida generalizada aos mercados para fazer a grande compra do mês, ocasionando longas filas, gargalos e problemas de desabastecimento.
Ainda que muitos queiram complicar a gênese da inflação, é bastante simples a sua causa: um aumento súbito e artificial da quantidade de moeda circulante que não é acompanhado pelo aumento, na mesma proporção, de bens e serviços produzidos. Isso resulta em um natural e evidente descasamento econômico e, assim, cada vez se exigirá mais, em valores monetários, por cada produto ou serviço. Basta pensar num mundo em que todos passaram a ganhar, num curto espaço de tempo como uma semana, o dobro do que recebiam antes, sem que tivessem trabalhado e produzido também o dobro em bens e serviços. Decerto que mais dinheiro disponível nas mãos (o dobro) ampliará a propensão de todos a gastar, porém, se a produção não aumentou, tem-se apenas uma ilusão monetária. Ninguém ficou verdadeiramente mais rico, nem quem compra nem quem vende, mas a propensão a gastar aumentará, bem como, consequentemente, a propensão a cobrar mais caro pelos bens e serviços. E antes que se queira insistir em culpa do empresário pelo aumento de preços, é necessário lembrar que a economia é um organismo vivo e que o empresário apenas responde ao súbito e irrefreável aumento de moeda circulante que, aliás, também lhe cobra o preço nas suas despesas com fornecedores, despesas financeiras e despesas com pessoal, que também fazem pleitos por recomposição salarial. Os males que uma emissão monetária desenfreada ocasiona atuam absolutamente em todas as direções e penalizam a todos, exceto ao próprio agente que a causa, o governo que, aliás, por vezes se beneficia da corrosão de suas dívidas e consegue disfarçar um imposto inflacionário em seu favor, que é jogado sobre as costas da população.
É importante destacar, também, que num cenário inflacionário em que os sindicatos mais fortes e organizados conseguem impor reajustes mais altos, há uma tendência perversa de que empresas que já têm maior porte e solidez econômica consigam arcar com tal demanda remuneratória, enquanto as empresas de médio ou menor porte, por terem menos condições financeiras, acabam por desempregar muito mais funcionários e em alguns casos chegam até a falir, abrindo espaço para a concentração de mercado, pelo ganho em “market-share“ que será fatalmente concedido às empresas maiores (não existe vácuo no mercado), dado o fechamento ou retração de atividades desses “players” menores. Vê-se, então, mais um potencial efeito danoso, de diminuição concorrencial, dessa intervenção do governo sobre os meios circulantes, sobre a moeda.
Por fim, Mises faz citação de uma frase que é bastante interessante para nossa reflexão: “um dos privilégios do homem rico é poder se dar ao luxo de ser insensato por muito mais tempo que o pobre”. Essa assertiva vale tanto para os indivíduos como para os países. Não nos surpreende constatar, portanto, que são justamente os países mais desenvolvidos que aprenderam a lição e tendem a respeitar, ao longo do tempo, as metas de inflação de forma bem mais rígida do que os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. A ideia Keynesiana de que um pouco mais de inflação não faz mal para impulsionar a economia (uma clara falácia) ou de que “gasto é vida”, como já dito por uma ex-presidente que produziu a pior recessão da história da República (pior que a de 1929), precisa ser enterrada e merece ser combatida diariamente. Quem se enriquece com esse tipo de visão é basicamente o Estado e o seu governante de plantão. Ninguém mais. Quem sofre seus efeitos deletérios é a sociedade de forma generalizada, mas principalmente os cidadãos mais pobres que esses autoproclamados “benfeitores“ da esquerda brasileira dizem defender. Dá para acreditar neles? Decerto que não. Inflação como política pública é nada mais do que veneno, jamais um remédio.
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