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Anna Sebba

Javier Milei, um presidente libertário. Como libertarianismo e conservadorismo conversam

A celebração da direita brasileira pela vitória e posse de Javier Milei em uma eleição histórica na Argentina reflete o entusiasmo de romper com a predominância do Foro de São Paulo na América Latina. No entanto, é crucial discernir entre as distintas vertentes que compõem o espectro da direita, especialmente quando se trata da autoproclamada posição libertário-liberal de Milei, que se diferencia do conservadorismo mais tradicional. Nesse sentido, é prudente exercer cautela diante do ímpeto festivo.


Jair Bolsonaro e Michelle na posse de Javier Milei na Argentina
Fonte: Poder 360

O termo "direita" abarca um leque diversificado de ideologias, sendo essencial destacar que o libertarianismo, ao qual Milei se alinha, difere substancialmente do conservadorismo. No Brasil, tudo que esteja à direita do lulopetismo, não é só “direita”, mas extrema-direita. E se levarmos em consideração que há bem pouco tempo a direita brasileira era a socialdemocracia, há muito o que demarcar na dita direita. Enquanto o conservadorismo fundamenta-se na preservação de tradições e valores como elementos fundamentais para a estabilidade social, o libertarianismo defende a liberdade individual como valor supremo, preconizando a mínima interferência estatal na vida dos cidadãos. A resistência à mudança, característica do conservadorismo, é confrontada pela natureza mais flexível e adaptável do libertarianismo, que não se opõe à transformação, desde que não restrinja a liberdade humana e a propriedade privada.


Quadrante de Nolan, espectro direita e esquerda
Quadrante de Nolan

Os libertários, ao defenderem a não-agressão, veem o Estado como o maior violador dos direitos individuais. Acreditam que o Estado, frequentemente, age de maneira que seria considerada imoral ou criminosa se fosse praticada por cidadãos comuns.


Esta filosofia coloca a liberdade individual como um valor supremo; fundamental para uma sociedade próspera. Nesse contexto, a propriedade privada e o livre mercado são considerados componentes essenciais para garantir a autonomia e a prosperidade.Todo libertário se baseia em um princípio central: nenhum homem, ou grupo de homens, pode cometer uma agressão contra a pessoa ou a propriedade de terceiros inocentes. Isso pode ser chamado de "princípio da não-agressão". Nesse contexto, os defensores do libertarianismo argumentam que a intervenção do Estado na vida dos cidadãos deve ser mínima, limitando-se à proteção dos direitos individuais, sendo o uso da força contra alguém ou suas posses uma agressão ao direito do indivíduo de estar livre de agressões externas, ou seja, isso leva os libertários a defenderem as liberdades civis. No entanto, ao defenderem a não-agressão, e tendo o Estado como o maior violador dos direitos individuais ao coagir os cidadãos com a arrecadação involuntária de impostos para financiar suas funções essenciais, como segurança e justiça, gera conflito com o ideal libertário de evitar coerção não defensiva. 


A regra áurea, que preconiza tratar os outros como gostaríamos de ser tratados, pode servir como uma ponte entre esses conceitos. Sob essa perspectiva, os defensores do Estado mínimo argumentam que a arrecadação de impostos é uma forma necessária de coação para garantir a manutenção da ordem e proteção dos direitos individuais de todos os cidadãos. Eles poderiam sustentar que, ao seguir a regra áurea, estão buscando o bem comum ao financiar instituições que visam proteger a sociedade como um todo. No entanto, críticos poderiam questionar se essa coerção é realmente proporcional e se há alternativas mais voluntárias para alcançar esses objetivos sem a necessidade de um aparato estatal tão extenso.


Carl Menger, Ludwig von Mises e Murray Rothbard são figuras proeminentes no desenvolvimento das ideias libertárias. Sendo uma filosofia essencialmente moderna e a partir daí surge uma série de ramificações com suas próprias nuances e ênfases, contribuindo para a complexidade do pensamento libertário ao longo do tempo. 


Filósofos escola austríaca, libertarianismo
Fonte: Instituto Mises

O conservadorismo, por sua vez, fundamenta-se na preservação de tradições, valores e instituições como alicerces essenciais para a estabilidade social. Defensores do conservadorismo argumentam que mudanças abruptas e radicais na sociedade podem minar a coesão social e ameaçar a ordem estabelecida. Edmund Burke, considerado o pai do conservadorismo moderno, e Russell Kirk, autor de "The Conservative Mind," são figuras-chave no desenvolvimento do pensamento conservador. Porém, como filosofia, existe desde que o mundo é mundo, já que defende, basicamente, a ordem natural das coisas. 


“Conservador refere-se a alguém que reconhece aquilo que é antigo e natural através do ‘ruído’ das anomalias e dos acidentes; refere-se a alguém que o defende, o apoia e ajuda a preservá-lo contra aquilo que é temporário e o anômalo. [...] o conservador reconhece as famílias (pais, mães, filhos, netos) e os lares familiares com base na propriedade privada e em cooperação com uma comunidade de outros lares familiares como as unidades fundamentais, mais naturais, mais essenciais, mais antigas e mais indispensáveis. Adicionalmente, a família também representa o modelo da ordem social em geral.” Hans-Hermann Hoppe

Do ponto de vista conservador, a resistência à mudança é muitas vezes vista como uma defesa do que é familiar. No entanto, esta posição é questionada, pois implicaria afirmar que a forma como as coisas são agora é a melhor, o que é irracional dada a evolução constante da sociedade. Há a premissa da necessidade de equilibrar a tradição com a capacidade de questionar se algo é certo, bom ou o melhor.


Diferentemente dos conservadores, a atitude dos libertários em relação à mudança não é derivada apenas do nome. Apesar de valorizarem a liberdade, não adotam uma posição específica em relação ao status quo, a menos que este limite a liberdade humana. Russell Kirk acredita que conservadores e libertários têm pouco em comum, exceto pela aversão ao coletivismo e governos excessivos. Ele critica os libertários por seu "fanatismo pela liberdade pessoal" e sua tolerância excessiva, que, segundo ele, pode levar à sua própria exclusão. Já Hans-Hermann Hoppe afirma que “conservadores da atualidade devem ser libertários anti estadistas e [...] os libertários devem ser conservadores”. Ou seja, não há consenso, mas urge a necessidade de entendermos como cada uma dessas filosofias se posiciona e como essas diferenças e também similaridades podem trabalhar para um real desenvolvimento social e econômico. 


A dicotomia entre liberdade e ordem surge como uma divergência essencial entre essas correntes. Enquanto os libertários colocam a liberdade como valor supremo, os conservadores priorizam a ordem como garantia de estabilidade. No entanto, é possível vislumbrar uma convergência, onde ambas as correntes desejam viver em sociedades ordenadas, divergindo apenas na fonte da ordem desejada.


A tolerância dos libertários não implica aprovação, enquanto os conservadores muitas vezes confundem tolerância com endosso. Os libertários podem incorporar valores conservadores sem comprometer sua principal defesa da liberdade. Por outro lado, os conservadores podem, ao adotar respostas racionais às questões sobre tradição, mover-se em direção a uma forma de libertarianismo, como defende Hoppe, e o que estamos vendo na “direita” dos nossos dias, em especial pela crescente tomada de poder mundo afora por progressistas que, esses sim, são o oposto tanto do conservadorismo, como do libertarianismo. 


Foto oficial do presidente Javier Milei
Foto oficial do presidente argentino Javier Milei

Em última análise, a celebração da vitória de Milei é compreensível, mas é vital reconhecer as nuances entre libertarianismo e conservadorismo. Ayn Rand nos lembra de que a liberdade é um direito inalienável, e, à medida que exploramos o terreno político da América Latina, a síntese de valores libertários e conservadores pode ser um caminho para forjar sociedades que preservem a liberdade individual sem sacrificar a estabilidade necessária para o bem comum.


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