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Guilherme Veroneze e Thiago Manzoni

Capítulo 4 - A “Inevitabilidade” da Planificação - O caminho da servidão - Hayek

“Fomos os primeiros a afirmar que, quanto mais complexa se torna a civilização, mais se deve restringir a liberdade do indivíduo”. – Benito Mussolini


Os defensores da planificação da Economia (ou Planejamento Central) argumentam, em tom categórico, que é necessário substituir a concorrência pelo planejamento, não havendo outra alternativa possível. Argumentam que as transformações tecnológicas já estão abolindo a concorrência e que resta optar entre monopólios privados ou monopólios controlados pelo governo. Trata-se, logicamente, de um argumento cujas evidências empíricas são levadas aos extremos, pois não há o surgimento de monopólios ou oligopólios por todos os setores da economia e na magnitude em que se alega. Ademais, resta entender a real causa de efeitos como a concentração de mercado em alguns poucos "players", se de fato isso advém de fatores de inovação tecnológica ou se políticas comerciais, econômicas e regulatórias também explicam parte do fenômeno.


O fator tecnológico pode explicar em parte o crescimento de grandes empresas que alcançam tal patamar ao desenvolver modernos métodos de gestão e produção em massa. Isso permite às empresas reduzir seu custo unitário marginal à medida em que avança em escala, tornando a competição com as pequenas empresas mais acirrada e colocando essas últimas em algum grau de desvantagem. Contudo, a realidade é um pouco mais complexa e essas hipóteses nem sempre encontram amparo na realidade.


Um estudo minucioso promovido pela Comissão provisória de análise de Concentração do Poder Econômico do Senado americano, em 1941, teve a seguinte conclusão:

"a maior eficiência das grandes empresas não foi demonstrada; em muitos setores, não foram encontradas as vantagens que eliminariam a concorrência. Tampouco as economias de escala, quando existem, pressupõem invariavelmente o monopólio. As dimensões que favorecem a eficiência máxima podem ser alcançadas muito antes de a maior parte da produção estar sujeita a esse gênero de controle. Não se pode aceitar a conclusão de que as vantagens da produção em grande escala levam inevitavelmente à abolição da concorrência. Cumpre notar, contudo, que o monopólio é muitas vezes produto de outros fatores que não o menor custo decorrente da produção em larga escala. Ele resulta de conluios e é promovido pela política governamental. Quando se invalidam tais acordos e se altera a política, a concorrência pode ser restabelecida".


Outro estudo na Inglaterra chegou à mesma conclusão e se observarmos que com certa frequência os monopólios existentes buscam apoio no Estado para tornar esse controle de mercado efetivo, entenderemos que o Estado é uma parte importante do problema. Políticas de controles de preços, políticas regulatórias e de quotas e limitações comerciais à importação, exportação ou mesmo no comércio interno, são típicos instrumentos que o Estado usa para favorecer monopólios e oligopólios que conseguem acessar o pequeno círculo do poder.


Outras políticas, como incentivos econômicos via política industrial desenvolvimentista, com crédito subsidiado, também favorecem certos grupos empresariais com acesso ao poder, em detrimento de outros grupos não organizados. A exemplo dessa política, no Brasil, na era Lula e Dilma, o que se viu foi uma política desenvolvimentista via BNDES que provocou concentração de mercados na área de empreiteiras e de frigoríficos (caso JBS e BR Foods) e virou até um caso de polícia, afinal, privilégios dados pelo Estado não são concedidos de graça.


A ideia de que a complexidade da vida na civilização moderna faz surgir problemas que necessitam de uma atenção estatal é, em parte, verdadeira. Porém, não é verdadeira no sentido amplo e de intervenção massiva que os coletivistas tanto defendem. Decerto que externalidades negativas que se avolumaram com esse progresso tecnológico, como a questão da poluição, dos gargalos de infraestrutura (transportes, elétrica, saneamento) e dos problemas de conflitos legais inerentes a uma vida em que as pessoas têm mais situações de contato (comercial, pessoal, profissional), constituem situações em que a concorrência, o mercado por si só, não resolve. É, decerto, necessária uma ação pública para endereçar esses pontos em qualquer sociedade moderna. O problema, porém, reside em usar a complexidade da vida moderna sob um argumento de impossibilidade de se apreender o todo, de não se obter uma visão coerente e compreensiva do processo econômico, como uma justificativa para então tornar necessária e indispensável e a coordenação econômica (planejamento), a ser exercida por um órgão central governamental, sob o falso argumento que se assim não for feito a vida mergulharia num caos social. A ironia é que a própria alegada impossibilidade de compreensão do todo, per se, já deveria ser um obstáculo à qualquer tentativa honesta de coordenação. Mas coerência não é traço marcante de quem defende as pautas de planejamento central, mas sim a sede de poder.


Em realidade, é a própria complexidade trazida pela divisão do trabalho, que faz com que a concorrência seja o único método capaz de dar conta dessa coordenação de modo eficaz, mediante o mecanismo de livre mercado ou da "mão-invisível" cunhada por Adam Smith. Hayek, ao tratar da possível coordenação econômica governamental, observa que "como nunca se podem conhecer todos os pormenores das modificações que influem constantemente nas condições da oferta e da procura das diferentes mercadorias, e nenhum órgão tem a possibilidade de reuni-los e divulgá-los com suficiente rapidez, torna-se necessário algum sistema de registro que assinale de forma automática todos os efeitos relevantes das ações individuais – sistema cujas indicações serão ao mesmo tempo o resultado das decisões individuais e a orientação para estas". Esse sistema de registro é, basicamente, o sistema de preços livres. Um sistema impessoal, universal, intuitivo e bastante eficaz.

O sistema de preços livres permite que tanto os empresários como os cidadãos alterem suas preferências de produção e consumo, de acordo com o movimento dos preços que sinalizam ou revelam a preferência de ambas as partes e a escassez e oferta de bens, serviços e produtos finais ou também de matérias-primas intermediárias. Preços de mercado que oscilam para cima sinalizam aos empresários que há uma demanda maior que a oferta em certo segmento e, assim, eles podem ajustar sua produção para aquele setor, produzindo um influxo de oferta que fará com que os preços venham a cair no médio prazo. Exatamente isso foi o que se observou, na pandemia de Covid, na produção de álcool gel, máscaras dentre outros itens que passaram a ser mais demandados, com preços crescentes por uma pressão de demanda versus oferta escassa. Houve uma normalização de preços mais à frente, quando novos atores passaram a atuar na produção e oferta desses bens e, também, as empresas já estabelecidas concentraram esforços na produção prioritária desses itens. Isso tudo ocorreu, é necessário frisar, sem que o governo tivesse de determinar ou coordenar nada, mas sim apenas o sistema de preços agiu, orientando as adequações nos esforços produtivos das economias.


É imperioso destacar que apenas quando esse regime de preços livre é respeitado e praticado que temos as condições para que esses esforços produtivos sejam mais eficientes para ambas as partes, consumidores e produtores. A descentralização automática desse sistema, a sua espontaneidade e a sua impessoalidade são as características que o tornam eficaz e, por comparação, o sistema de coordenação central estatal algo canhestro, primitivo e altamente limitado. Se vivêssemos sob um regime de planejamento central, jamais teríamos alcançado o patamar de desenvolvimento atual e estaríamos enfrentando a dura realidade material (e até espiritual) de Cuba, da Coreia do Norte ou da Venezuela.


Há (pseudo) argumentos, dos adeptos do planejamento central, no sentido de que uma produção em maior escala, via indução econômica (planejamento industrial com “campeões nacionais”) ou a garantia de monopólios, poderiam resultar em ganhos de escala e em produtos mais baratos para todos, via diluição de custos fixos mais eficiente para a empresa produtora. Como mera hipótese poderia, por um breve momento, até fazer algum sentido. Porém, na prática, onde quer que se tentou um modelo de monopólio ou oligopólio tocado diretamente pelo Estado, ou com a proteção dele, o que se viu foram produtos inferiores a preços mais caros. Basta olhar os Trabants e os Ladas, da era da guerra fria, em comparação com os carros do Ocidente capitalista, os eletrodomésticos, os computadores… O planejamento central jamais foi capaz de entregar o maná que tanto prometeu.


O ponto é que, na prática, o progresso tecnológico ocorre em episódios espontâneos e imprevisíveis, com invenções que surgem das mentes que podem operar de maneira livre, que podem exercitar sua criatividade da forma mais desimpedida possível, o que decerto não é o modus operandi de um governo com planejamento central. A prática, o mundo real, portanto, acaba por enterrar, categoricamente, essas teorias falaciosas a favor do planejamento central.


A defesa de um modelo de planejamento central, feita por teóricos e até mesmo por técnicos acadêmicos, dá-se por motivos muito mais mundanos que se possa imaginar. Ambições frustradas e receios de um ambiente de competição real e implacável, levam tais quadros a defender uma intervenção estatal na qual eles próprios cerrarão fileiras do aldo do governo. É difícil para tais tipos ter a humildade de admitir e de se resignar com uma existência em que seu “gênio criativo” não se realiza, na prática. O desejo por influenciar os rumos em sua área de domínio faz com que tais pessoas busquem um meio mais fácil de impor seus objetivos e visões sobre os demais: o Estado.


Por fim, ainda que se queira citar algum campo de excelência do império soviético (indústria bélica e atômica, por exemplo) como uma demonstração do sucesso que o sistema centralizado possa entregar, isso basicamente é uma seleção feita de forma premeditada e muito delimitada. Na realidade, esse sucesso deu-se a despeito ou em detrimento do insucesso em diversas outras áreas em que a população foi obrigada a acessar produtos e serviços escassos, caros e de baixa qualidade, quando não teve de morrer de fome. Um clássico e contundente caso que, aliás, exemplifica justamente a péssima alocação de recursos que um regime centralizado proporciona, na prática.


Muitos são tentados a dizer “ah, mas o socialismo não foi feito da forma certa e se estivessem as pessoas certas no poder seria diferente”. Porém, o fato é que o problema de uma má-alocação ocorreria mesmo se tivéssemos pessoas supostamente bem-intencionadas no poder. Como bem pontua Hayek “todos julgamos que nossa escala pessoal de valores não é apenas pessoal, e que, em um livre debate entre pessoas razoáveis, lograríamos convencer os outros de que o nosso ponto de vista é o mais justo”. Eis um traço psicológico que todos temos, até certo ponto. Porém, os choques de opiniões sempre existirão e, sob a vigência de um sistema centralizado (autocrático ou ditatorial), apenas pela força bruta, pelo monopólio da violência dos detentores do poder, que se pode impor uma vontade e, assim, nunca vence quem tem mais persuasão ou forma coalizões espontâneas e livres de interesses em prol de uma causa, mas sim vence quem tem a força do aparato estatal sob seu comando. E mais: como Hayek enfatiza, “Entre o idealista dedicado e o fanático, muitas vezes há apenas um passo” e o que são aparentemente boas intenções podem se transfigurar em uma penosa e ditatorial realidade.


O ressentimento do especialista ou do técnico, bem como em alguns casos a arrogância intelectual, constituem combustíveis perigosos que devem ser evitados, pois é difícil imaginar um mundo mais intolerante e irracional do que aquele em que uma elite de tecnocratas pode impor a realização de suas ideias e preferências sem amarras, pelo uso simples da força. E, aliás, mesmo aos economistas, que se arrogam como supostos profundos conhecedores e como hábeis coordenadores da realidade e do ambiente econômico-produtivo, falta a humildade epistemológica para reconhecer que nenhum ente central consegue efetuar tal coordenação de forma eficiente, impessoal, democrática ou mesmo simplesmente de forma racional e justa.



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