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Guilherme Veroneze e Thiago Manzoni

Capítulo 2 - A Filosofia Social do Homem Comum - A mentalidade anticapitalista - Ludwig von Mises

2.1 O Capitalismo tal como é e tal como é visto pelo homem comum.

O Capitalismo é um sistema que beneficia, de forma contínua, os cidadãos que nele vivem. Contudo, mesmo os homens de negócios acabam, por vezes, não tendo a plena compreensão de como se dá o funcionamento de uma economia de mercado e a civilização ocidental acabou, historicamente, adotando o capitalismo como que por recomendação de uma pequena elite. A Economia acaba sendo, na realidade, um campo do saber bastante diferente das ciências naturais, da história e do Direito, que parece até uma ciência antipática aos não iniciados. Suas peculiaridades heurísticas e epistemológicas soam como absurdas aos adeptos do positivismo e dos pesquisadores de laboratórios, arquivos e bibliotecas. Assim, acaba por afastar muitos que estranham a sua lógica distinta e não conseguem avançar na análise de problemas, que exigem uma elevada dose de esforço mental.

Como consequência, muitas pessoas creditam o aperfeiçoamento das condições econômicas apenas aos avanços das ciências naturais e da tecnologia, deixando de lado o estudo da organização política e econômica e como estas duas fomentaram e alavancaram o avanço da ciência e da tecnologia, nos últimos dois ou três séculos. Pensam que esses avanços de condições materiais não foram proporcionados por conta de melhorias engendradas pelo modo de organização e produção do capitalismo (melhorias do ambiente institucional, jurídico, político e econômico-financeiro), não enxergam essa causalidade, mas sim que o desenvolvimento no nível de vida se deu a despeito do capitalismo e continuaria a ocorrer por inércia, independentemente do sistema de organização econômica adotado, como se mãos mágicas promovessem essa melhoria automática e perene.



Por essa razão, por essa falta de rigor e esforço mental em analisar os acontecimentos econômicos no mundo, as tão equivocadas ideias de Marx encontram eco em vários campos, sobretudo na academia e na intelectualidade. As "forças materiais produtivas", no ideário marxista, são como uma entidade que atua independentemente da vontade e das ações dos homens, como uma força que obedece a leis mais altas, a uma narrativa histórica imparável e que avança a reboque de todos os demais elementos de análise. Antes essas forças agiam no sistema feudal, que foi substituído pelo capitalismo. O próximo passo da história seria, então, a substituição do capitalismo pelo socialismo, defendida ou até preconizada por Marx.

Decerto que há, na esquerda, algumas diferenças pontuais entre as ideias dos diferentes partidos. Contudo, a noção do aperfeiçoamento automático e progressivo das condições materiais é um ponto matricial em comum. Não creditam ao individualismo e ao capitalismo o avanço material que se observou nos últimos séculos, mas sim a uma tendência de aumento de produtividade irrefreável, cabendo a esses partidos de esquerda a correta administração (redistribuição) das injustiças materiais que os exploradores capitalistas provocam, despojando-os do seu patrimônio que deveria ser dos pobres oprimidos que foram por eles (capitalistas) roubados.

O que não se observa, porém, é que o avanço ocorrido entre a era pré-capitalista mercantilista (era dos artesãos) e a era moderna, se dá não por melhoria progressiva e automática da destreza, da competência ou do empenho dos trabalhadores (provavelmente os artesãos eram até mais hábeis dadas as adversidades tecnológicas e de escassez que enfrentavam), mas sim do emprego de um capital mais qualificado, isto é, de máquinas e ferramentas muito mais eficientes, fruto de um investimento prévio em capital que gerou, por sua vez, lucro (capital), que é reinvestido e permitirá ainda maiores ganhos futuros. O sistema econômico e como ele opera importa e muito, portanto. Não fosse a possibilidade de poupança, investimento, lucro e reinvestimento, com segurança jurídica e mecanismos eficientes de crédito que retroalimentam esse ciclo econômico, esse aumento de prosperidade da era capitalista não ocorreria nessa intensidade e velocidade.



Cada passo, cada avanço que se dá no capitalismo é fruto de um prévio processo de poupança e investimento. Empresários com poupança própria ou de terceiros - advinda de poupadores que depositam em bancos e assemelhados que concedem crédito às empresas - investem em bens de capital que, por meio do trabalho de tecnólogos, permitem ofertar um produto ou serviço aos consumidores que, ao pagar, retroalimentam o ciclo econômico. Esse último grupo, consumidores, recebe o grande benefício das atividades desses grupos pretéritos: produtos e serviços que se tornam cada vez mais acessíveis e sofisticados, fruto também de uma saudável concorrência de livre mercado.



As três grandes classes desse processo, empresários (investidores), poupadores e tecnólogos, não são castas fechadas, felizmente. Pertencer a elas não é um privilégio herdado ou concedido arbitrariamente por uma autoridade estatal. Inteligência e força de vontade são os requisitos básicos. Ainda que um herdeiro sortudo possa começar em condição de vantagem, por vezes ele não tem o mesmo tino, perspicácia e vontade que seus antepassados que desenvolveram e criaram o negócio do zero, tanto é que vários impérios do mundo dos negócios desapareceram ao longo do século XX. Mudanças tecnológicas também aniquilam negócios, por vezes até em curto espaço de tempo, e não há garantia de que vantagens dadas na largada, pelo berço de nascença, se perpetuarão por toda a vida, quem dirá por outras gerações sucessivas.

A filosofia popular do homem comum, no entanto, deturpa de modo lamentável todos esses fatos. Todas essas novas indústrias que fornecem produtos fantásticos, não existentes na geração anterior, surgiram dessa tal força ou entidade mítica chamada "progresso". O esforço diligente de poupança, o investimento perspicaz e a inventividade tecnológica em nada contribuíram, na visão do homem comum, como fatores para essa melhoria das condições materiais. Se alguém contribuiu e foi o causador dessas melhorias são exclusivamente os operários de linha de montagem. Como diz o manifesto comunista de forma caricatural e falsa, o homem de negócios "rapa tudo" e deixa aos operários, os "criadores" de todas as coisas boas, apenas "o que ele necessita para o seu sustento e para a reprodução de sua raça". E para piorar, o manifesto ainda arremata dizendo que "consequência, “o operário moderno, em vez de acompanhar o progresso da indústria, afunda cada vez mais... Torna-se um indigente, e a indigência cresce mais rápido do que a população e a riqueza”.

Ora, nada mais falso do que isso, já que os trabalhadores que tiveram maior crescimento de renda durante a época em que tal livro foi escrito e nas décadas seguintes foram, justamente, os trabalhadores da indústria! Milhões migraram do campo para as cidades em busca de maiores salários que só a indústria podia pagar. No entanto, os falsários autores dessas frases, são considerados como os maiores filósofos e benfeitores da humanidade, dentro dos círculos acadêmicos. São reverenciados e respeitados. Isso parece demonstrar, portanto, que nesses círculos acadêmicos o apreço pela verdade, que deveria ser um valor dos mais importantes senão o mais importante ali, é algo bastante flexível e relativo.



Nos primórdios da era da industrialização, é necessário frisar, havia um lapso maior de tempo do que o visto hoje, para que um produto antes acessível a uma minoria (elite econômica) viesse a se tornar algo da esfera do consumo de massa. Contudo, esse lapso foi se tornando cada vez menor, de modo que passou a ocorrer, nas economia liberais, uma rápida padronização das formas de consumo e de entretenimento do povo. Ninguém sofre necessidade, na economia de mercado, por outras serem ricas. A posse dos ricos não causa pobreza dos demais. Ter mais capital, aliás, é condição para que haja mais investimentos que geram mais empregos, mais renda, para todos ali nesse ecossistema econômico, tornando possível que as camadas mais baixas possam emergir e melhorar sua qualidade de vida.

O sucesso dos capitalistas é, portanto, diretamente correlacionado com o aumento da satisfação de todos. Não é mera coincidência, mas sim consequência, que os países com maior nível de renda per capita tenham uma elite econômica que fez sua fortuna em negócios, no livre mercado. Já nos países em que há uma elite econômica em que não há um livre mercado pujante, as camadas mais baixas são realmente muito mais pobres (há maior desigualdade) e a origem da renda da elite é, não por coincidência, proveniente de privilégios e negócios escusos com o Estado interventor, que (como sócio oculto) espolia a sociedade.



2.2 A Frente Anticapitalista

Para aqueles que entendem a teoria econômica, os esforços de se instaurar o socialismo ou políticas intervencionistas pré-capitalistas eram desacreditados, vistos com grande ceticismo. Contudo, perante uma massa desinformada, levada a um agir passional, por sentimentos de inveja e ódio, as ideias desses revolucionários encontraram eco e tiveram algum respaldo. O equilíbrio emocional e a racionalidade tendem a não ser qualidades tão bem distribuídas e onipresentes por toda a sociedade, decerto.

A filosofia do Iluminismo, que preparou o terreno para a doutrina liberal - fundada em liberdade econômica e governo representativo - não propôs a extinção, mas sim a transformação, de três velhos poderes: monarquia, aristocracia e Igreja. A monarquia absolutista dava lugar a uma monarquia parlamentarista, os aristocratas perderiam privilégios, mas não seus títulos, brasões e patrimônio. Lutava-se, também, no campo religioso, para cessar a perseguição a dissidentes ou a hereges, mas garantindo a liberdade de crença e para que as igrejas e seitas pudessem ter liberdade na consecução de seus objetivos espirituais. Os três grandes poderes do "Ancién Regime" foram, em alguma medida, preservados.

No entanto, mesmo nesses três grupos, o raciocínio isento e o conservadorismo para fazer frente aos ataques dos iconoclastas socialistas aos valores da civilização ocidental, não se demonstraram tão efetivos. Alguns praticamente ficaram de braços dados com socialistas, não enxergando que confisco de bens e não-liberdade religiosa eram os "valores" dos socialistas. Seja os Romanoffs na Rússia ou Hohenzollern na Alemanha, dentre outros, o que se viu foi até uma cooperação com o inimigo. Teólogos e líderes do protestantismo - como Barth e Brunner na Suíça, Miebuhr e Tillich nos Estados Unidos - bem como o último arcebispo de Canterbury, William Temple - condenaram abertamente o capitalismo.

A influência que a ideologia socialista foi capaz de provocar fez com que a parte substancial da opinião pública se filiasse a essa imaginário, dando fôlego a partidos e a políticos socialistas ou comunistas, evocando a ideia de que esse regime anti-liberdade é quem, na realidade, libertará e elevará o padrão de vida do homem comum. Contudo, o ponto é que os que se dizem socialistas sabem, em grande medida, que esse regime na realidade melhorará as suas próprias vidas (não a dos demais). São um misto de inveja e egoísmo e buscam vender mentiras aos demais (ignorantes úteis) apenas em seu benefício próprio. Recusam-se a estudar profundamente economia e, por vezes, até mesmo a reconhecer inegáveis fatos como o que o padrão de vida dos homens comuns que vivem sob regimes de livre mercado é incomparavelmente maior do que os de países socialistas.


Como bem resume Mises, embora se possa divergir quanto a que profundidade todos devemos buscar estudar e entender a economia, uma coisa é certa: "O homem que fala em público ou escreve sobre a oposição entre capitalismo e socialismo, sem estar bem familiarizado com tudo o que a economia tem a dizer sobre o assunto, não passa de um tagarela irresponsável".

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