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Capítulo 13- OS TOTALITÁRIOS EM NOSSO MEIO - Hayek

“Quando a autoridade se apresenta disfarçada em organização, aumenta de tal modo o seu fascínio que pode levar nações livres a converter-se em estados totalitários”. – The Times


Ao se deparar com os horrores do nazismo, Hayek ponderava que dentro da sociedade inglesa era certo que existia um sentimento geral de ojeriza e de que “isso não pode acontecer aqui”. Dava-se como inequívoco que isso jamais poderá se materializar em realidade na Inglaterra. Contudo, ele pondera que quinze anos antes a possibilidade de algo tão grave vir a ocorrer na Alemanha também parecia muito remota, seja na percepção do próprio povo alemão, seja na dos observadores estrangeiros.


Hayek pondera que há algumas semelhanças entre a Inglaterra de seu tempo (anos 1940 pós segunda guerra mundial) e a Alemanha de vinte ou trinta anos pré-totalitarismo. Alguns pontos, como a analogia ou convergência entre pontos de vista da direita e da esquerda no campo econômico, e a comum oposição ao liberalismo, base histórica de toda a política inglesa, eram notórios. Muitos socialistas fabianos, por exemplo, passaram a demonstrar um grau mais elevado de simpatia pelos políticos conservadores do que pelos liberais.


Outros elementos de apreensão são colocados por Hayek como a veneração ao Estado, admiração pelo poder e pela grandeza, entusiasmo pela organização em diversos campos (planejamento), e a incapacidade de se deixar que qualquer coisa sujeita às leis de seu crescimento orgânico. Se antes o povo inglês tinha orgulho de suas tradições liberais manifestas em suas ideias políticas, agora parece envergonhado delas, isso quando não as repudia abertamente.

Pensadores como Lord Morley ou Henry Sidgwick, Lord Acton ou A. V. Dicey, antes universalmente admirados, exemplos de sabedoria política da era liberal, são tidos pelas novas gerações como vitorianos antiquados. O alemão Bismarck encontra, nas novas gerações, maior simpatia do que Gladstone, visto agora como um ingênuo moralista vitoriano.


Hayek traça alguns paralelos entre ideias, a partir de autores alemães comparados a ideias inglesas de seu tempo. Hayek relembra como o próprio Lord Keynes classificara como pesadelo as ideias alemãs que propugnavam que mesmo em tempos de paz a atividade industrial deve continuar a ser mobilizada para a guerra - uma espécie de militarização da atividade fabril. Nesse estado de coisas, o individualismo é deixado de lado e não mais interessa a busca da felicidade e os interesses individuais pelos cidadãos, mas sim o fortalecimento da unidade estatal organizada a fim de atingir o grau máximo de eficiência. E assim, a nação se converteria numa “unidade fechada”, tornando-se, na verdade em “Der Mensch im Grossen” - “o homem, o povo em sua totalidade”. A ordem econômica do resto do mundo é em grande parte baseada no lucro, enquanto na Alemanha, no poder.

O fascínio exercido por ideias com origem totalitária, sobretudo na (até pouco tempo) liberal Inglaterra, impressionava Hayek. Vários dos elementos do planejamento econômico (antessala do autoritarismo) eram defendidos por diversos autores e havia até mesmo ideias e disposições sinceras de romper todos os laços culturais com o passado e arriscar tudo no êxito de determinada experiência utópica, seja por parte de homens comuns, idealistas sinceros, seja por parte de poderosos intelectuais. Diante desse quadro, Hayek entendia necessário expor qual o grau de avanço desse processo das ideias no ambiente inglês, como um alerta para o perigo que poderia se avizinhar não tão distante no tempo.


Iniciando por Edward H. Carr, com suas obras “Twenty Years’ Crisis” e “Conditions of Peace”, este autor se declara um adepto da escola histórica de realistas, com berço na Alemanha, com grandes expoentes como Hegel e Marx. Um realista, nessa concepção, seria “aquele cuja moral varia em função da política”. Nesse sentido, a velha moral com seus “princípios gerais abstratos” deve desaparecer porque “o empirista trata o caso concreto de acordo com os seus méritos particulares”. Imperam, assim, as conveniências do momento. Nessa ótica, até o famoso princípio da “pacta sunt servanda” (o que foi pactuado será cumprido) não é mais um princípio moral válido. Desse modo, ao se jogar os princípios morais gerais pelo ralo, o mérito das questões se transmuta em uma simples questão de opinião arbitrária e, por consequência, tratados internacionais, por exemplo, por não mais obrigarem moralmente, perdem até mesmo seu sentido de ser. 


Carr chega até mesmo a fazer uma audaz (e falsa) equiparação entre os ideais britânicos e alemães, como na sua afirmação que “quando um nacional-socialista preeminente assevera que ‘tudo quanto beneficia o povo alemão é justo e tudo quanto o prejudica é injusto’, há uma mesma identificação do interesse nacional com a justiça universal já estabelecida nos países de língua inglesa por Woodrow Wilson, pelo professor Toynbee, por Lord Cecil e muitos outros”.

Avançando, Carr diz também que “já não tem muito sentido, para nós, a distinção comum ao pensamento do século XIX entre Sociedade e Estado”, algo que encontra um alto grau de semelhança com a doutrina nazista de Carl Schmitt. Carr afirma que “a revolução que começou na última guerra e que tem sido a força propulsora dos movimentos políticos mais importantes destes últimos vinte anos, uma revolução contra as ideias que predominaram no século XIX: a democracia liberal, a autodeterminação dos povos e o princípio do laissez faire na economia”. Afirma ainda que “era quase inevitável que esse desafio às ideologias do século XIX, às quais a Alemanha nunca defendera de fato, nela encontrasse um de seus mais fortes protagonistas” e diz de forma convicta que “sabemos em que direção caminha o mundo e temos de caminhar com ele ou perecer”.


Essa tendência de raciocínio de tachar o futuro como algo manifesto, um caminho inevitável baseia-se em pressupostos econômicos equivocados, como, por exemplo, a suposta tendência à monopolização no mercado ou de uma abundância em potencial, tão comuns no arsenal da esquerda, mas que não resistem a um escrutínio mais profundo. Se nem mesmo os economistas, na média melhor equipados intelectualmente que a média, conseguem (em maioria) perceber o mundo com a argúcia e honestidade intelectual necessárias, imagine então o que não são nem mesmo economistas como Carr.


O desprezo de Carr pelas ideias liberais é equiparável ao de autores alemães como Friedrich List, que propugnava que o livre comércio era uma política ditada pelos interesses dos empresários ingleses no Século XIX e direcionada apenas para os seus interesses - como se os consumidores não tivessem nenhum poder de influenciar e moldar as decisões dos empresários. Desse modo, um intercâmbio mundial mais disperso e intenso, com remoção de barreiras comerciais ou volta ao laissez faire é tida como inconcebível. O futuro pertenceria à Grossraum Wirtschaft (economia dos grandes espaços) do tipo alemão, com uma reorganização da vida europeia tal como levada a cabo por Hitler.


Não é por mero acaso que Carr discorre sobre a “função social da guerra”, pintando de insensatos os liberais e ingleses que consideram-na algo sem propósito, e conclui que a guerra pode dar propósito e significado às vidas. Pior ainda, conclui que a guerra é “o mais poderoso instrumento de solidariedade social”.


Uma ideia bastante comum que tomou corpo na Alemanha é a de que é possível estabelecer uma organização científica da sociedade. O ideal de organização de cima para baixo foi bastante estimulado e praticado na Alemanha, dada a notável influência que os especialistas alemães, no campo das tecnologia e da ciência, conseguiram alcançar na formação de opiniões e das políticas sociais. Uma tendência à intolerância, disfarçada por um dito racionalismo exacerbado, a impaciência com o homem comum, e o desprezo por tudo que não tenha sido organizado e pensado de modo consciente por espíritos superiores, segundo um plano cartesiano, científico, foram comportamentos comuns na Alemanha por gerações e chegaram até mesmo aos meios ingleses.


A tendência de os cientistas alemães se colocarem a serviço dos governantes de plantão foi também algo desprezível e vergonhoso. Proclamavam-se como líderes de uma marcha para um novo mundo melhor, mas na realidade eram fortemente submissos à tirania e até cúmplices diretos dela.


Hayek, adentrando em outro influente autor inglês, menciona a obra “The Scientific Attitude” de C. H. Waddington. Esse autor é notório na reivindicação de maior poder político para os cientistas, com uma defesa veemente de um planejamento em grande escala. Admite, em certas passagens, que isso poderia promover governos com viés mais autoritário, mas que isso seria preferível ao que denomina de “a feroz e tresloucada civilização atual”.

Waddington justifica a existência desse viés autoritário com o argumento de que “a ciência é capaz de julgar a conduta humana do ponto de vista ético”, ou seja, os cientistas seriam julgadores morais imparciais, isentos de vieses ou paixões (do homem comum). E ao tratar de liberdade, o autor é ainda mais claro ao dizer que “é um conceito que o cientista tem muita dificuldade em discutir, até certo ponto porque ele não está convencido de que, em última análise, tal coisa exista”, e ainda sobre liberdade, assevera que “a liberdade de ser excêntrico e diferente dos seus concidadãos não tem valor científico”. O viés autoritário, anti-liberal, é bastante claro, sem nenhum disfarce.


Ademais, nessa obra, Waddington repete os mesmos clichês já conhecidos de uma suposta “abundância potencial”, de uma suposta tendência inexorável a monopólios (no capitalismo) e da tendência histórica inevitável que a ciência teria descoberto, como um produto típico da visão de mundo Marxista. Para nenhuma surpresa, defende a adoção de um sistema econômico centralizado e totalitário no qual todos os aspectos do desenvolvimento econômico serão submetidos a um planejamento central integrado. A ironia é que ele chega a defender que totalitarismo e liberdade de pensamento seriam conciliáveis nesse regime.


Hayek cita as várias tentativas inglesas de criar um socialismo de classe média como um produto dessas ideias autoritárias e de planejamento, típica da era que antecedeu o período hitlerista. Dentre elas, cita Forward March ou o movimento Common Wealth de Sir Richard Acland, ou as atividades do “Comitê 1941” de J. B. Priestley. A situação fica mais trágica, como cita Hayek, ao considerar que por vezes os interesses de empresários organizados e da classe operária organizada (via sindicatos e lobby) podem confluir e convergir no sentido da defesa de políticas protecionistas e de planejamento central que essas sim podem levar a um mercado oligopolista e prejudicial à grande maioria da sociedade. É o liberalismo que atomiza e descentraliza os atores econômicos - as empresas, os trabalhadores e os consumidores - que favorece a concorrência e um melhor nível de vida para o povo, não o corporativismo e o conluio de políticos (e reguladores), empresários e sindicatos.


Uma sociedade com esses ares autoritários, com um conluio entre essas três classes permite um mecanismo de extrativismo econômico desleal e imoral. O empresário atrai muito mais renda para si, bem como a classe estatal, e a maioria da população arca com o prejuízo. O Brasil, bem como tantos outros países subdesenvolvidos, são exemplos claros disso. O perigo que muitos não são capazes de perceber é que esse jogo de poder pode acabar engolindo o empresário e a democracia como um todo, como ocorreu na Alemanha.


Hayek pondera, acerca dos monopólios protegidos pelo estado autoritário, algo que é necessário esclarecer. O monopolista não apenas extrai maior renda para si do que extrairia em um mercado competitivo, como também pode pagar salários mais altos a seus funcionários criando assim outra fonte de desigualdade perante o restante dos trabalhadores dos setores não protegidos. É uma situação duplamente perversa que apenas aumenta a desigualdade econômica que a esquerda tanto diz criticar (da boca para fora, é claro).


Enquanto casos monopólios privados não têm, historicamente, vida longa, pois atraem, com o tempo, competidores que desejam obter parcela desse alto lucro, os monopólios protegidos pelo governo são muito piores, pois contam com proteções legais e regulatórias, bem como, em alguns casos, contam com o bolso do governo (bolso do cidadão, portanto) para lhe conceder aportes e empréstimos camaradas, benefícios e perdões tributários, subsídios e outras benesses, que lhe dão mais resiliência ainda. No caso de monopólios naturais operados diretamente pelo Estado (empresas estatais de saneamento dentre outras) essa situação se agrava ainda mais, dada a natural ineficiência do Estado e uma linha demarcada: aqui ninguém pode operar, apenas o Estado. Não é por mero acaso que no Brasil quase metade da população viva sem esgoto tratado: o Estado é via de regra o principal operador nesse mercado.

Como bem diz Hayek, se a luta da sociedade para se defender dos monopólios fosse apenas no âmbito de negócios privados, que operam em um livre mercado, seria algo muito mais fácil de se lidar. Porém, contra o peso do Estado a batalha é muito mais árdua que tem efeitos nefastos no campo da economia e até da moral. 


O lamentável disso tudo é que muitos que se dizem democráticos apoiam medidas autoritárias (como proteção a setores nacionais e monopólios) que são, claramente, anti-democráticas. A maior parte do povo sai perdendo e as elites políticas e econômicas (em conluio) se esbaldam docemente em abastados retornos financeiros. Os ataques ao sistema de livre concorrência pela esquerda é a maior demonstração de desconhecimento econômico ou de falta de hombridade, de honestidade intelectual no debate.


O alerta de Hayek, para a sociedade inglesa, foi preciso e salutar, pois nas ideias que ali circulavam no pós segunda guerra mundial, havia perigosas normalizações do autoritarismo econômico e social que em pouco ficariam atrás do modelo alemão. A defesa do professor Larski da manutenção (em tempos de paz) de medidas de controle governamental, necessárias à mobilização de recursos nacionais durante a guerra, slogans característicos como “economia equilibrada” e “consumo comunitário”, defendendo um controle mais centralizado da economia, encontram um grau de semelhança notável com o que se viu na Alemanha. 


Se houve algo que a segunda guerra mundial demonstrou claramente, foi o perigo de modelos totalitários de Estado, de dirigismo e planejamento centralizados. O argumento de que sociedades podem ser mais livres com um modelo centralizado, em vez de um sistema de livre concorrência, é factualmente falso e deveras perigoso para a manutenção de uma sociedade verdadeiramente livre. 





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